quarta-feira, 13 de junho de 2012

UMA PALAVRINHA SOBRE TRABALHO INFANTIL - POR ROBERTO TARDELLI (PROMOTOR DE JUSTIÇA)


UMA PALAVRINHA SOBRE O TRABALHO INFANTIL

ADMIN 13 DE JUNHO DE 2012 0
Faz uns meses e eu fazia uma palestra nesse mundão. O tema era alguma coisa em torno da violência do mundo, da violência que nós – adultos, maiores, capazes, donos de nossos narizes – geramos cotidianamente, quando alguém, normalmente um senhor respeitabilíssimo, se lembra que nossas escolas secundárias não mais profissionalizam, que ele trabalhava e sol a sol de os dez anos de idade e não teve tempo para a marginalidade porque desde guri teve que lutar muito pelo seu sustento. Foi aplaudido, emocionou-se, ganhou um beijo na fronte de uma linda moça que estava sentada perto dele. O trabalho havia vencido a marginalidade. Não se deu conta doquanto mudaram o país e o mundo.
Em nenhum momento, pensou-se em ensino profissionalizante para os filhos bem nascidos, que eram os alunos daquela Faculdade de Direito em que eu falava. A profissão, certamente técnica e subordinada ao bacharel-patrão, era destinada aos pobres. A eles o martelo, o fio, a chave de fenda… Não haveria sentido no Brasil separado por fossos raciais e econômicos dizer que a essa juventude faltaria cultura, politização, cidadania, dignidade, ciência…
A eles bastaria, como bastou ao senhor provecto e simpático, que me honrou posteriormente com sua presença no jantar e me contou muitas histórias do lugar, a ferramenta.
No Brasil-peão, o estudo não tem a menor importância. No Brasil-peão é o trabalho que dignifica o ser humano, desde muito cedo, de preferência, desde os oito, dez anos. Dizer que a Constituição Federal garante que o trabalho somente se inicia após os dezesseis anos de vida parece um insulto.
Um insulto curioso: os filhos brancos da classe média branca dificilmente estarão trabalhando aos dez anos, mas os filhos das empregadas, faxineiras, lavadeiras, jardineiros, ajudantes gerais, manicures, esses devem começar cedo, para que não caiam na marginalidade, de onde nossos filhos são salvos por um sopro de nobreza e linhagem. Essa criminalidade da patuléia dificilmente chegará a nossos lares: nós não temos dependentes químicos, nós não praticamos violência, nós temos um sistema socialmente perfeito, somente perturbado por esses uns que deveriam estar trabalhando, mas estão vagando pelas ruas.
Nosso sistema educacional é vergonhoso. Nossas crianças – nossas, no sentido, de nossas crianças brasileiras – passam pouquíssimo de seu tempo na escola formal. Na pré-escola, não há vagas e governantes cínicos ignoram a questão Na escola formal pública, essa que não passamos nem em frente, quatro horas. O resto do tempo, não, não vão para o inglês, natação, não. Ficam nas ruas, porque as mães cuidam de outros filhos. Dos nossos. Inclusive aos sábados e domingos, algumas dormem em nossas casas, onde existe um banheiro separado para elas…
A escola ruim, a escola pouca, a baixíssima qualidade do ensino, os métodos ultrapassados são a ante-sala da exclusão social e o trabalho não é trabalho, é apenas a subsistência no seu sentido fisiológico da expressão, trabalhar para comer. Esse trabalho precoce e infantil aniquila a possibilidade de cidadania, porque nele nada existe de edificante, libertador ou de aprendizado.
Não só nega a Constituição Federal, no seu explícito princípio, mas nega o fundamento maior do Estado Democrático de Direito, que é a proteção da dignidade humana, que é a construção de uma sociedade justa, fraterna e pluralista, sem preconceitos e com igualdade social, sem violência e fundada na paz…
Além de ser a febre aguda – crianças trabalhando – de uma sociedade doente.

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